terça-feira, 5 de março de 2013

Subir para Deus, descer aos humanos

“Se sua mística não se transformar em compaixão, não está vivendo na verdade. É preciso movimentar-se nos dois polos: subir a Deus para descer aos humanos”


Padre Almir Magalhães*

Vou me inspirar num dos maiores místicos do século XX, Thomas Merton, para consolidar esta reflexão. Monge Trapista, nascido em 31 de janeiro de 1915 e falecido de forma curiosa em 10 de dezembro de 1968, sendo considerado um mártir. Era da Abadia de Gethsemani, Kentucky, centro-sul dos Estados Unidos. Escritor, Poeta e Ativista Social.

Como referência, tomo as indicações de uma excelente publicação, de autoria de Antonio Getúlio Bertelli (um estudioso de Merton), intitulado Mística e compaixão – a teologia do seguimento de Jesus em Thomas Merton (Paulinas, 2008).

Para este monge, o conceito de compaixão é um corretivo de mística: “nenhuma mística é autêntica se não se converte em compaixão”. A compaixão implica desta forma uma responsabilidade sobre o outro, sobretudo os que estão em situação de abandono e de exclusão. Sendo assim, “a compaixão corrige e equilibra a mística: a experiência do encontro com o mistério de Deus não se dá unicamente na interioridade fechada, mas na exterioridade face a face com o outro” (cf. A. Getúlio, p. 18).

Aqui aponto para o título deste artigo – a mística deste autor é apresentada segundo um duplo movimento – vertical: subir para Deus, ter este encontro com o mistério divino e outro movimento horizontal: descer aos humanos. Daí se conclui que a plenitude da espiritualidade do seguimento se dá não de forma unilateral, eu e meu Deus, mas quando este encontro provoca a compaixão, a solidariedade, com a situação dos outros. Esta situação tem nomes, locais, endereços e é fácil de ser encontrada em nossos bairros e paróquias.

Parece que há, no nosso entender, uma lacuna e um descompasso entre a espiritualidade de Merton com a espiritualidade predominante, na medida em que sobrevivemos espiritualmente numa verticalidade, num olhar para cima e ter vontade de armar nossas tendas no êxtase, na catarse, no bem-estar que esta incomensurável experiência proporciona (cf. Mt. 17, 1-5 – Cena da transfiguração: Como é bom estarmos aqui Senhor! Vamos armar três tendas…).

Não estou descaracterizando esta espiritualidade, mas refiro-me à lacuna, ao descompasso, e que para a espiritualidade ter sua completude precisa de um outro elemento – descer aos humanos.

O atual papa, quando do discurso inaugural da Conferência de Aparecida no dia 13 de maio de 2007, afirmou que “santidade não é fuga para o intimismo ou para o individualismo religioso, tampouco abandono da realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo, muito menos fuga da realidade para um mundo exclusivamente espiritual”. (DI n. 3 e no Doc. 148). Vê-se, portanto, que o papa assina embaixo, com esta sua afirmação, das ideias de Merton.

Relevante também na espiritualidade de Thomas Merton é que ele une mística e profecia. Diante do seu contexto, vivendo num país poderoso, foi o primeiro padre católico a denunciar a violência no seu país, a imoralidade da guerra do Vietnã, a condenar o uso da bomba atômica numa suposta “guerra justa”. Sobre a guerra contra o Vietnã, “considerou chocante e antievangélica a atitude do cardeal Francis Spellman, arcebispo de Nova York, abençoando os canhões que iriam destruir milhares de vidas humanas, crianças, mulheres e adultos no Vietnã”. (Fato já bastante conhecido e de domínio público, citado no livro de A. Getúlio, p. 80).

Acredito que o conhecimento dos escritos deste místico, pode nos ajudar a entender o que significa uma espiritualidade do seguimento de Jesus. Sua experiência de conversão teve um processo e um ritmo – do mundo ao mosteiro, vivendo o paradigma clássico de desprezo ao mundo, fuga mundi. Depois de viver 17 anos como monge, percebeu que não há oposição, mas sim distinção entre sagrado e profano, natural e sobrenatural. Em 1958, acorda: Se sua mística não se transformar em compaixão, não está vivendo na verdade. Cada um tem o seu processo, mas é preciso movimentar-se nos dois polos: subir a Deus para descer aos humanos.

*Padre Almir Magalhães é diretor e professor da Faculdade Católica de Fortaleza, Seminário da Prainha e mestre em Missiologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário