domingo, 7 de abril de 2013

No princípio do Cristianismo eram os Leigos

No princípio do Cristianismo eram os Leigos. Jesus era leigo; os seus discípulos e discípulas eram leigos: pescadores, cobradores de impostos, domésticas… As primeiras testemunhas da Ressurreição foram os leigos e, antes dos Apóstolos, as mulheres. Os leigos foram a vanguarda da Igreja: estavam no mundo, aonde Jesus Cristo nos enviou a todos:«Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura» (Mc. 16,15). Os cristãos estavam em tudo quanto era sítio: na família, no trabalho, no exército…
Ainda não havia templos. Entre os mártires – as testemunhas pelo sangue e pela vida, dada por Cristo – eles constituíam o seu maior número, concretamente as mulheres: S.ª Felicidade, S.ª Perpétua, S.ª Inês, S.ª Cecília, S.ª Agata (Águeda)…
Quando acabou a perseguição, pelo édito de Milão (313), de Constantino,  não encontrando melhor meio de dar a vida por Cristo, foram eles – os Leigos – a retirar-se para o deserto (fuga mundi), para se consagrarem totalmente ao Senhor; assim começou o monaquismo  (=vida isolada), depois transformado em cenobismo (vida em comum), por influência de S. Basílio (no Oriente) e S. Martinho de Tours, S.º Agostinho e S. Bento (no Ocidente). Quando a Igreja precisava de Bispos para conduzir as Comunidades ia buscá-los ao deserto e ordenava-os, primeiro como sacerdotes e depois como Bispos… 

Depois veio o clericalismo: o predomínio do clero: fosse ele de ordem doutrinária (séculos XII-XIII), em que o Papa delegava nos príncipes o governo temporal dos povos; fosse ele de ordem social, que defendia que o maior grau de cultura do clero lhe dava direito a orientar os assuntos de ordem temporal; fosse ele de ordem eclesial, o que nós melhor conhecemos, que reserva(va) ao clero todas as iniciativas e responsabilidades pastorais… Foi a clericalização das ordens religiosas e da Igreja, que arrastou consigo a marginalização dos leigos, reduzidos a meros cumpridores…
E, assim, chegámos ao Concílio Vaticano II – designado o Concílio dos Leigos – que preconizou a autonomia da esfera temporal e a maioridade eclesial dos leigos, concretamente na Gaudium et Spes. Refira-se, de passagem, que a maioria dos 20 Concílios anteriores tiveram, como finalidade, a condenação de heresias e do mundo, ao contrário do Vaticano II que procurou olhar e ver o mundo,  como Jesus o olhava e via.
Mas, afinal, onde estão os Leigos? Que fizeram e fazem eles pela Igreja? Não é o seu lugar o mundo da profanidade: a família, a escola, o trabalho, a política?… Afinal, onde estão eles?  Na família é o que se vê, com o aumento dos divórcios e a negligência na passagem (=tradição) da fé aos filhos; na escola e nos Infantários, a mesma coisa; no trabalho, nem falar; na política, a desgraça total; nas Paróquias, quando muito, vemo-los no templo, de volta dos altares e dos Padres, como leitores, cantores ou Ministros extraordinários da Comunhão… Infelizmente, a maioria deles, mesmo aqueles que têm cursos superiores, a nível da fé, é analfabeta, tendo-se ficado pela catequese infantil de preparação para a Comunhão. Quem é que os vê, como catequistas de crianças, de adolescentes e jovens, ou ajudando nos Cursos de Preparação para o Matrimónio? As catequeses das nossas Paróquias continuam, na maioria dos casos, entregues a pessoas de boa vontade, mas sem formação capaz… Daí a debandada geral, após a recepção dos Sacramentos, à falta do testemunho de cristãos credíveis…
A Fé tem que ser inteligível, para ser credível: inteligível, antes de mais para quem crê; temos que terrazões para crer, senão não as temos para evangelizar: “Intellige ut credas” – dizia S.º Agostinho: procura compreender o que crês, para o creres mais convictamente e o testemunhares com mais credibilidade; S.º Inácio de Loiola diria: ‘procede, como se tudo dependesse de ti e nada de Deus! Mas, não podemos ficar por aqui; por isso, continua S.º Agostinho: “crede ut intelligas!” Mantém-te fiel, no seguimento de Cristo, ainda que não compreendas, de momento, o que crês, que a compreensão é filha da fidelidade; S.º Inácio diria: ‘procede como se tudo dependesse de Deus e nada de ti’!
Um dia, um jovem alemão disse-me que admirava os Jesuítas pela sua ligação ao mundo. De facto, S.º Inácio de Loiola viu-se e desejou-se para conseguir a libertação da vida conventual: nada de hábito religioso, pois não é o hábito que faz o monge; nada de Liturgia conventual das horas…Queria homens livres que pudessem ‘discorrer’ por todo o mundo. Não terá sido, por isso, que a Companhia de Jesus teve tanto sucesso, nos primeiros anos, sobretudo em Portugal, graças aos descobrimentos?
Onde estamos nós hoje? A primeira finalidade do Concílio foi levar a Igreja à descoberta da sua identidade: Igreja que dizes de ti? O que és? Para que existes? Qual a tua missão? Como estás a ser e a viver? Igreja, que tens a dizer ao mundo e como estás a dizê-lo? Como é que o mundo te vê? Que significas para ele? Como é que tu o ouves e ele te ouve? Muito pouco? Quase nada? Porquê?… Não continuarão a ser estas as questões centrais para a vida e missão da Igreja, hoje?
Porque será que o mundo não nos estima? Seremos verdadeiramente o que o Senhor nos mandou ser: fermento, sal e luz do mundo? Como o poderemos ser, se a nossa maior tentação – pelo menos nos últimos séculos – foi e é a fuga mundi, agora, não para o deserto, que era e é mundo, mas para o convento e a sacristia (o templo), que não existiam, no princípio?… «Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele» (Jo. 3, 17). Se assim é – se o próprio Filho de Deus não teve medo do mundo, porque haveremos nós de o ter?
Pe. Domingos Monteiro da Costa, SJ

01.04.2013 


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