Padre Geovane Saraiva*
Mediante o projeto do nosso Deus e Pai a
vida é vocação, é um chamado, que implica em uma resposta generosa, a
partir da escuta interior. A pessoa procura responder, dia após dia,
como um apelo que vai dar-lhe sentido e iluminar toda sua existência,
consciente sempre de que o chamado é pessoal, onde Deus espera ouvir um
sim. Foi assim que Deus chamou Abraão, a ponto de submetê-lo à prova, no
que ele respondeu: “Aqui estou” (cf. Gn 22, 1).
O despertar da vocação sacerdotal e o
seu processo formativo deve ser capaz de colocar o futuro sacerdote na
compreensão da dinâmica do amor cristão, consistindo numa clara
disposição interior de abraçar o chamado como doação e serviço, com
muita tranquilidade, perfazendo seu caminho, imbuído do mais elevado
espírito de liberdade, no seguimento “daquele que veio para servir e não
para ser servido” (Mc 10, 45).
O Papa Francisco, dirigindo aos
sacerdotes na missa da quinta feira santa, fez a seguinte afirmação em
forma de súplica: “(…) sede pastores com o cheiro das ovelhas, ou seja,
que estejam no meio das ovelhas”. Aqui são válidas as palavras
proféticas de Jeremias: “Eu vos darei pastores segundo o meu coração,
que vos conduzam com sabedoria e inteligência” (Jr 3, 15).
Olhando para muitos dos nossos
seminaristas e novos padres, no seu estereótipo, com colarinhos e
túnicas da melhor qualidade, anel ou aliança no dedo, me vem o seguinte
questionamento: o percurso vocacional do padre de hoje não está sendo
elitista demais? Penso e sonho com um processo formativo consequente,
levando em conta e causando nos candidatos ao ministério sacerdotal uma
sensibilidade sempre e cada vez maior, diante da dor e do sofrimento
humano, sem jamais esquecer a assertiva do próprio Deus: “Eu vi, eu vi a
miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu clamor por causa de
seus opressores; pois conheço suas angústias” (Ex 3, 7s).
A Presbyterorum Orddinis nos assegura no
número 11: “A voz do chamamento do Senhor não deve de maneira alguma
ser aguardada, como se chegasse por algum canal extraordinário aos
ouvidos do futuro presbítero. Antes, deve ser entendida e discernida
pelos sinais, pelos quais todos os dias se manifesta a vontade de Deus
aos cristãos que sabem escutar. Esses sinais hão de ser avaliados com
atenção”. Somos privilegiados em ter um Papa que encanta, emociona e
neste sentido surpreende, causando admiração, quando anuncia ao mundo a
importância da simplicidade, do despojamento, do diálogo e da
proximidade com as pessoas, também quando quebra protocolos e dispensa
honrarias.
Como seria bom ver nossos seminaristas
bem formados, com enorme capacidade de enfrentar os desafios do mundo
hodierno, no espírito de despojamento, generosidade e doação. “A Igreja
precisa de sacerdotes, não de qualquer tipo de sacerdote”, disse o
Cardeal Mauro Piacenza, em carta aos sacerdotes e seminaristas por
ocasião da Jornada Mundial pela Santificação Sacerdotal, na Solenidade
do Sagrado Coração de Jesus, em junho de 2013.
Guardemos no íntimo do coração a
profecia de Ezequiel: “Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si
mesmos, mas nunca tomam conta do rebanho” (Ez 34, 1-2). De acordo com a
mística do teólogo católico Karl Rahner (1904-1984): “O cristão do
futuro, ou será místico ou não será cristão”, entendido como o apego à
oração, à meditação e à contemplação da tradição católica, bem com a
palavra do magistério, autenticamente interpretada, para anunciar a boa
nova da Salvação a uma multidão de irmãos e irmãs, a partir da sua dor e
sofrimento. No entanto, o pastor da paz e da ternura, Dom Helder
Câmara, com grande sabedoria dizia que tinha pena dos empobrecidos, dos
sem abrigo, e mais pena ainda, sentia dos instalados e enraizados, como
se este mundo fosse morada permanente.
*Padre da Arquidiocese de Fortaleza,
escritor, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da
Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e
Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal – Pároco de Santo Afonso.
Email: geovanesaraiva@gmail.com
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