Entre
25 de janeiro e 15 de novembro de 2005, nós, “O GRUPO”, nos encontramos
mensalmente, em Fortaleza, com Dom Aloísio Lorscheider (8 de outubro 1924- 23
de dezembro de 2007) em entrevistas, realizadas em dez sessões. A atuação dele
nas (arqui)dioceses de Santo Ângelo, Fortaleza e Aparecida, na CNBB e no CELAM,
o seu testemunho pessoal, a sua brilhante inteligência, a presença simples
junto aos pobres, as posições claras e firmes perante às autoridades civis e
militares, o inesgotável volume de trabalho (apesar da saúde frágil), as homilias
e palestras inspiradas e inspiradoras, enfim, todas as qualidades de uma pessoa
completa que era, levaram-nos à decisão de que não podíamos perder, nem para o
presente e muito menos para o futuro, esse exemplo, esse testemunho de vida,
dedicada integralmente à Igreja de Cristo.
Este trabalho resultou no livro MANTENHAM AS LÂMPADAS ACESAS. Revisitando o Caminho, recriando a
Caminhada. Fortaleza: Editora da Universidade federal do Ceará, 2008, 214
pgs.
Gostaria de apresentar, ao longo dos meses finais deste
ano, algumas passagens desta rica entrevista, em razão dos 50 anos do Concílio Vaticano II, que acaba de estar ensaiando sua
ressurreição através de palavras, atitudes e gestos do Papa Francisco. O
próprio Dom Aloísio Lorscheider, sagrado bispos em 20 de maio de 1962, véspera
da 1.ª Sessão do Concílio, e nomeado bispo de Santo Ângelo (RS), foi
participante do Concílio.
LEIA MAIS:
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O GRUPO: A ideia-mestra do Concílio
Ecumênico Vaticano II foi o aggiornamento, lançada pelo Papa João XXIII. Que
balanço se faz, quatro décadas depois, desta grande intuição do Papa e das
reformas práticas que os documentos conciliares provocaram para a vida da
Igreja?
DOM ALOÍSIO: O
discurso de abertura do Concílio do papa João XXIII impressionou muito. Ele
disse: “Nós estamos aqui não para
condenar, definir, ou repetir o que outros concílios já disseram, mas para
expor a verdade da fé, hoje, que deve ser vivida pelo mundo, e por isso deve
ser uma verdade adaptada”. Ele fez aquela distinção entre op depósito da fé
em si e as expressões históricas. Nós bispos expressamos o conteúdo da fé
católica, mas hoje precisamos adaptá-lo à compreensão das pessoas. Também é uma
questão de linguagem. A intenção do aggiornamento
era destacar algumas ideias que o mundo de então vivia e nas quais a Igreja
podia ver algo positivo. O aggiornamento não
significa só atualização, mas também é um conceito teológico: que dizer, no
fundo, que eu devo fazer um esforço permanente de expressar aquilo em que eu
creio de forma compreensível para hoje. Aparece aqui o fenômeno da enculturação
que depois, na Conferência de Santo Domingo, ganhou mais força. O Papa Paulo VI
insistia muito nesta enculturação. O discurso de João XXIII parecia um alívio,
porque em todos os documentos que havíamos recebido da comissão preparatória
ainda existia aquela velha e forte tendência de condenar todas as doutrinas
modernas que pareciam contradizer as verdades católicas. Esta atitude
condenatória tinha que ser abandonada. Por isso, praticamente todos os esquemas
anteriormente preparados foram rejeitados, o que foi muito positivo. Começou-se
a considerar mais positivamente o que o mundo de então pensava sobre aquilo que
é bom, aquilo que pode desenvolver a pessoa humana, que a faz se sentir
realmente responsável e participante da história dos homens. A estes valores
nós, cristãos católicos, devemos acrescentar nossa visão de fé. Este foi o
grande propósito. O Papa mesmo disse: “Este
Concílio tem que ser eminentemente pastoral!”. Hoje estamos todos
acostumados a enfatizar muito a pastoral, uma coisa nova. Começou-se a dar um
caráter pastoral a toda reflexão teológica, utilizando-se de uma linguagem que
fizesse as pessoas se sentir enriquecidas pela vivência da fé. {...}. A
constituição conciliar Gaudium et Spes
(Alegria e Esperança – sobre a Igreja no mundo) teve seu peso. Porém, ela é
imperfeita. Deveria ser revista de forma que as possíveis atualizações não
contrariassem o teor do próprio documento, já que se apresenta como expressão
da Igreja naquele tempo – sua visão antropológica, sua compreensão do ser
humano, que contrastava com a visão marxista, muito em evidência nos anos 60,
quando começavam a surgir os tratados das chamadas teologias terrestres, por
exemplo, a teologia do cosmo e a do relacionamento entre natureza humana e
Graça. Essa mentalidade influiu bastante no concílio. Mais ou menos neste
sentido o Papa João XXIII que este aggiornamento.
Surgiam perguntas, como: “Quais são as legítimas aspirações do mundo de hoje?”
Isto fez a Igreja começar a ser ver mais na função de servidora da humanidade,
ou seja, a Igreja não é sociedade perfeita, mas antes servidora: “Eu vim para
servir e não para ser servido”.
O
GRUPO: Mas parece que a grande maioria do povo católico não compreendeu esta
guinada, pois, hoje, o que predomina novamente é uma atitude eclesiástica de
extrema reserva diante das realidades seculares.
DOM ALOÍSIO: Esta
mudança eu também não sei explicar. Durante o Concílio houve uma grande
alegria, embora houvesse também oposição, mas esta foi mínima. Os documentos
foram aprovados de forma quase unânime. Havia uma referência restritiva: tudo
devia ser feito dentro do Direito
Canônico de 1917-1918, que era o nosso ‘catecismo’. O Papa João XXIII,
contudo, já tinha escrito uma carta aos bispos do Brasil para que houvesse mais
reflexão pastoral. Assim surgiu o “Plano de Emergência”. Tratava-se, já na
época, de uma mudança fundamental. A partir dos anos 70, porém, acentuaram-se
três tendências na sociedade que despertaram cautela em uns e novo fechamento
ao mundo em outros: 1. O ‘Secularismo’: uma postura que nega o transcendente,
valorizando apenas o iminente; 2. O ‘Relativismo Ético’, que nega a existência
de valores universais: “o que valo hoje, não vale mais amanhã, o que valeu
ontem, não vale mais hoje”; 3. O ‘Consumismo’: um modelo de vida que encontra
sua suposta realização no consume desenfreado de bens materiais. Na época do
Concílio, no entanto, ainda não dominavam estas tendências. Por isso digo que
sempre devemos nos atualizar!
O
GRUPO: Como as ideias do Concílio Vaticano II foram compreendidas pelo povo
católico?
DOM ALOÍSIO: Em
geral houve boa aceitação. Na verdade, dependia muito dos bispos. Eu, em Santo
Ângelo, organizei um grupo, constituído por um padre, uma freira e um
professor. A eles transmiti os principais conteúdos do Concílio e munidos desta
forma, começaram a visitar todas as paróquias, onde houve melhor aceitação
possível. O que deve crescer, no entanto, ainda é o envolvimento do laicato
católico. O Papa (à
época João Paulo II, red.) costuma
convocar para o Sínodo alguns leigos dos movimentos. Não é bem isso que o
Concílio tinha em mente, porque os movimentos são mais de caráter
exclusivamente religioso. Mas o leigo deve ter sua própria condição dentro da
Igreja. Não deveriam ser convidados leigos ‘maquiados’ e sim, leigos-leigos’.
Continua .....
(postado em
03 de outubro de 2013 por Geraldo Frencken)
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