Um dos grandes problemas de nossa sociedade e que
atinge muita gente boa é a incapacidade de pensar, de querer as coisas prontas,
de parar para contemplar, de assinar em baixo o mesmismo, a rotina e, no caminho
inverso, ser capaz de mudar, de reinterpretar conceitos e abrir horizontes.
Neste enunciado motivador, podemos olhar para o
rico patrimônio da Igreja Católica, o Ano Litúrgico, com sua espiritualidade e
em que direção cada período anima a vida do cristão.
Digo sempre na academia que, às vezes, nós,
padres, exercendo o ministério de párocos, nem sempre somos capazes de olhar
para nossos fiéis a partir de uma dívida histórica que temos – uma formação
sólida que alimentasse e desse razão à fé dessas pessoas; o alimento continua
sendo “mingau, papa” e as pessoas vivenciam estes períodos litúrgicos sem
compreendê-los na sua essência. Dois exemplos: a) qual a compreensão que nós,
cristãos, temos da Eucaristia? Que elementos são passados na iniciação à vida
cristã sobre a Eucaristia? b) Batismo: a compreensão que nossos fiéis têm do
batismo é já conhecida e dificilmente se reflete sobre a teologia do laicato na
preparação do referido sacramento, que é eminentemente com adultos.
Estamos vivenciando um dos grandes mistérios de
nossa fé – o Mistério Pascal. Qual a compreensão que nós temos da Páscoa? Na
base da rotina, multiplicam-se as celebrações de Páscoa nos colégios,
instituições públicas, entre os agentes de pastoral, como um momento festivo e
não poucas vezes marcado por tensões internas, brigas, ciúmes… realidades
humanas que deveriam passar por aquilo que celebramos semanalmente, pela
Eucaristia e de forma mais socializada neste período de 50 dias, expressivo para
a reorientação da vida.
Pensar na Páscoa nos remete para o seguimento de
Jesus, para o discipulado. O Documento de Aparecida (estou sempre lembrando para
não cair no esquecimento total) nos diz que o cristão deve “formar-se para
assumir seu estilo de vida e suas motivações (cf. Lc. 6,40b), correr sua mesma
sorte e assumir sua missão de fazer novas todas as coisas”. (Doc. Ap. n.
131)
Páscoa é contemplar a vida individual e
comunitária (eclesial), estabelecer a distância entre a vida pessoal e
comunitária no confronto com Jesus e sua proposta de vida e, neste encontro,
reorientar a vida… Quanto à vida pessoal, é olhar para as atitudes, o que está
iluminando a vida, os valores, os relacionamentos e empenhar-se por mudar; do
ponto de vista eclesial (conversão pastoral), é olhar a vida societária, dos
irmãos, especialmente dos que mais sofrem, e estabelecer rumos de solidariedade
com a dignidade humana, com aquilo que já é conhecido quando se trata de Igreja
= perita em humanidade.
Páscoa evoca um encontro com Jesus Cristo, mas
não um encontro qualquer que leve a um intimismo (eu e meu Deus), mas que
motiva, que é questionador e que tem como resultado a desinstalação, que não nos
deixa os mesmos, que não se contenta com uma “ação evangelizadora” centrada no
templo, mas que vai ao encontro dos outros em uma lógica simples – amor a Deus e
ao próximo.
Vou concluir com uma reflexão do teólogo espanhol
José Antonio Pagola: “Jesus é perigoso. Nele descobrimos uma entrega
incondicional aos necessitados, entrega que põe a descoberto nosso radical
egoísmo. Uma paixão pela justiça que sacode nossas seguranças, covardias e
servidões”. (Livro O caminho aberto por Jesus – Lucas. Vozes 2012, p. 150)
Almir Magalhães é padre da Arquidiocese de
Fortaleza.
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