Pe. Almir
Magalhães*
No dia 14 de maio de 1971, o Papa Paulo VI deu a
conhecer uma Carta Apostólica sua intitulada OCTOGESIMA ADVENIENS (OA) para
homenagear os 80 anos do primeiro documento sobre o Ensino Social da Igreja, a
RERUM NOVARUM (15.05.1891).
Na AO, há uma frase do Papa que merece a atenção
dos cristãos. No nº. 46, o Papa trata do significado cristão da ação política e
afirma: “A política é uma maneira exigente, se bem que não seja a única, de
viver o compromisso cristão, a serviço dos outros”. Esta mesma frase tem sido
traduzida simplesmente por: “A política é forma sublime de exercer a
caridade”.
Os dois termos, política e caridade, podem vir
carregados historicamente de interpretações ambíguas. Via de regra as pessoas
consideram a política como uma atividade que é exercida só por “políticos”
profissionais, diretamente filiados a determinados partidos, e, de maneira
equivocada se ausentam de seu papel, até mesmo odiando a política, deixando
livres aqueles para os quais transferem a responsabilidade na gestão dos
interesses coletivos (educação, saúde, mobilidade urbana, segurança, políticas
públicas…).
Neste sentido o momento das eleições nos vários
níveis se reveste de uma importância ímpar porquanto “o sujeito da autoridade
política é o povo considerado na sua totalidade como detentor da soberania. O
povo transfere o exercício de sua soberania para aqueles que elege livremente
como seus representantes, mas conserva a faculdade de a fazer valer no controle
da atuação dos governantes e também na sua substituição, caso não cumpram de
modo satisfatório as suas funções” (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja,
do Pontifício Conselho Justiça e paz, Paulinas, 2005, n. 395). Vejam que há aqui
uma diferença enorme entre o que o povo pensa quando elege alguém e a essência
do papel do político eleito. Pode-se afirmar, pois, numa linguagem popular, que
aqueles que elegemos são nossos funcionários. Por tudo o que acontece na
contramão, é que existem grupos que advogam a idéia de não votar, desiludidos
com a política que existe para administrar um modelo esgotou possibilidades.
Por outro lado o termo caridade sempre foi
entendido de forma muito assistencialista, de ter “peninha” de alguém que sofre,
dando-lhe algumas moedinhas, migalhas, oferecendo-lhe sopões, cestas básicas. A
caridade, no entanto, deve ser entendida em sua tríplice dimensão: emergencial,
promoção humana e transformação social.
É explicitamente na terceira dimensão que entra a
caridade com seu caráter político, do bem comum e de acordo com a perspectiva
colocada pelo Papa Paulo VI no documento aqui referido. Ela incorpora o aspecto
prioritário do bem comum. Sair da mentalidade de resolver com os políticos
coisas pessoais e de seus interesses e a partir de trocas (inclusive do voto). É
deixar de pensar no campo da política somente no bem estar pessoal,
característica da atual sociedade onde há a ditadura do individualismo para
pensar no bem estar coletivo. É evitar resolver os problemas por cima, através
de uma liderança que é amiga de algum vereador, deputado estadual, ajudando o
grupo, a comunidade a crescer, envolvendo as pessoas nos encaminhamentos comuns,
interpretando e aprendendo das práticas dos políticos profissionais, das
demoras, das respostas, enfim exigindo e exercendo o controle social. É o
princípio da alteridade, uma saída de si rumo à humanidade, rumo aos problemas
que afetam sua comunidade.
Será que existe, do ponto de vista político e
fundamentalmente cristão, uma forma mais preciosa de praticar a caridade com os
outros? Pensemos por exemplo numa comunidade onde não passa o saneamento básico,
esgoto a céu aberto, raiz de doenças e as pessoas motivadas pela cidadania, pela
caridade e pela dignidade humana buscam resolver a questão coletivamente. É
interessar-se pela qualidade da vida, da vida em abundância que Jesus Cristo
proclamou e viveu e testemunhar uma espiritualidade do seguimento.
Publicado originalmente no Jornal O Povo: http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2012/10/13/noticiasjornalespiritualidade,2936382/a-politica-e-a-caridade.shtml
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