Quando pensamos hoje no processo de ampliação do
espaço democrático convém lembrar as palavras fortes de Florestan Fernandes: a
história do Brasil é fundamentalmente a história de um único ator, a classe
dominante, pois no Brasil sequer se chegou a uma Revolução Democrática (inclusão
social através do acesso aos direitos básicos) e Nacional (determinação de um
projeto econômico livre da subordinação ao capital de fora). As elites
brasileiras permitem que o povo entre em cena contanto que não se mudem os
fundamentos que regem nossa configuração social. O DNA que constitui a sociedade
brasileira é a do seu passado escravocrata, da grande propriedade e da
monocultura o que explica o autoritarismo e a autocracia como nossos traços
característicos. Nossas transições se deram sempre dentro desta ordem, sem
rupturas profundas. Por isto o Brasil é uma eterna construção interrompida como
dizia Celso Furtado.
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Sem dúvida, o Brasil de hoje não é mas
simplesmente o mesmo do tempo em que se elaborou este diagnóstico, mas o peso do
que nos marca exige que examinemos com atenção as transformações que ocorreram
em nossa história recente depois da redemocratização. A pergunta urgente é:
caminhamos com firmeza na direção da efetivação da democracia? Podemos dizer que
somos todos efetivamente sujeitos da configuração de nossa vida coletiva? A
democracia implica que o governo se radique na soberania de todos o que no
Brasil se faz através da eleição direta de nossos representantes para as
diferentes instâncias de poder. Isto nos garante que todo poder emana do povo?
Vemos hoje com mais clareza que não é o caso.
Tomemos o caso dos meios de comunicação como
exemplo. Trata-se de uma questão muito delicada, pois qualquer tentativa de
repensar sua configuração é logo interpretada como retorno à censura perversa
que existiu durante a Ditadura Militar, um cuidado que a partir desta
experiência histórica é compreensível. No entanto, só isto ainda não nos faz
caminhar na direção do que realmente importa e é fundamental: a democratização
dos meios de comunicação. A Democracia pressupõe o Estado de Direito e a
participação livre dos cidadãos nos debates e decisões no que diz respeito a
todos. Isto não pode ocorrer sem a formação da consciência que pressupõe sua
expressão livre. Podemos dizer que há verdadeira liberdade de expressão com a
hegemonia de poucos veículos de comunicação que sofisticadamente fazem passar à
sociedade uma maneira única de pensar (permitindo variantes no mesmo quadro
básico), de interpretar nossa realidade social apesar da aparência de um debate
livre?
Não se pode esquecer que hoje passam aqui para o
primeiro plano certos recursos técnicos e institucionais de produção e difusão
de mensagens o que significa acoplar todo o processo midiático à indústria
destes meios e consequentemente ao capital e seus processos de valorização. Este
processo vai inevitavelmente vincular a comunicação ao mercado e
consequentemente aos processos de mercantilização, de repressão e de acomodação
dos sentidos humanos aí vigentes. Comunicação e economia se tornam processos
inseparáveis.
[Manfredo Araújo de Oliveira é filósofo, professor
da UFC e presidente da Adital]
Fonte: Adital
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